A Reforma Trabalhista, Lei 13.467/17, passou a surtir efeitos em 11/11/2017. Em 14/11/2017, o presidente Michel Temer sancionou a Medida Provisória 808/2017, que elucidou e traçou rumos para aplicação da nova lei trabalhista.
Ocorre que, há quase um mês (23/04/2018), a MP 808 perdeu seus efeitos, pois não foi transformada em lei no devido lapso temporal. Pontos importantes, que tinham sido regulamentados pela MP, agora suscitam dúvidas.
Dentre eles, a seguinte questão: A MP 808, em seu art. 2º, trouxe a previsão de que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) se aplicaria na integralidade aos contratos de trabalhos vigentes. Ou seja, na redação da regulamentação trazida pela MP ficou claro que a lei se aplicaria também aos contratos de trabalho firmados antes da publicação da Reforma Trabalhista. Assim, foi após a vigência da MP que tal premissa restou indiscutível. Como ela caducou, entretanto, o texto original da Reforma Trabalhista voltou a surtir os efeitos integralmente, e não há previsão atual expressa da vontade do legislador neste sentido.
Desde então, empresas e empregados têm tentado aplicar as alterações legislativas, mas estão um tanto quanto reticentes. As mudanças da Reforma Trabalhista, afinal, abrangem contratos de trabalho anteriores à Lei?
Tal dúvida nos remete ao estudo da aplicação da lei no tempo. Ou seja, é preciso entender se o Sistema Jurídico Brasileiro aplica a teoria da Retroatividade da Lei. O princípio da “Irretroatividade das Leis” é o princípio consagrado no direito Brasileiro. Isso significa que apesar da lei nova revogar toda a lei anterior e ser aplicada de forma imediata, ela não tem o condão de interferir em situações jurídicas firmadas antes de sua vigência. Isso porque haveria grande insegurança no caso de retroatividade da lei.
Entretanto, no caso da recente discussão na esfera Trabalhista é importante ressaltar duas diferentes situações.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a existência de diferentes consequências na retroatividade dos efeitos da nova lei diante de distintas situações jurídicas.
A primeira hipótese retrata o caso formado por ato de vontade, ou seja, aquelas situações (como os contratos cíveis) nas quais as partes pactuam regras a incidirem em um determinado negócio jurídico realizado entre eles e, desde que realizado na forma da lei, terão a segurança de terem formado ali um ato jurídico perfeito, o qual não poderá ser alterado por nenhum efeito de lei posterior.
A segunda hipótese, todavia, engloba o caso de situações que comportam a regulamentação de normas jurídicas de observância obrigatória. Seu conteúdo, não pode ser modificado por liberalidade das partes envolvidas, portanto, vincula, necessariamente, de forma semelhante todos os destinatários.
É justamente nessa segunda hipótese que englobamos a Reforma Trabalhista, pois podemos dizer que se trata de norma de natureza institucional de observância obrigatória, a qual as partes não poderão por mera liberalidade dispor. Neste caso a aplicação deverá ser IMEDIATA em todos os contratos vigentes, embora continue sem permitir a retroatividade em situações já consolidadas.
Um exemplo dessa aplicação imediata da lei trabalhista, mas que não configura a “retroatividade da lei” ocorreu no caso da Lei Complementar 150/2015, conhecida como Lei da Empregada Doméstica, que foi aplicada em todos os contratos até então vigentes, ou seja, foi aplicada em contratos anteriores à publicação da referida Lei. Entretanto ela não retroagiu a situações já consolidadas, ou seja, ninguém foi obrigado a pagar FGTS retroativo, mas tal rubrica passou a ser cobrada dali para frente, mesmo naqueles contratos já pactuados antes da vigência da nova lei.
No caso da Reforma Trabalhista, entretanto, cabe ainda a regulamentação dessa discussão pelo TST, bem como o pronunciamento do STF, vez que a discussão no STF não tratou dessa questão no âmbito trabalhista e tão somente na esfera cível.
Se considerarmos, portanto, a regra que já tem sido aplicada em vários casos na esfera trabalhista e civil, concluiremos que a reforma trabalhista atingirá sim todos os contratos vigentes (anteriores ou posteriores à lei), mas tão somente naquilo que hoje se produz efeitos, não no que concerne a situações de direito adquirido ou situações já consolidadas. Ou seja, continua vigorando a ideia de irretroatividade da lei, vez que se preservará os atos consumados, mas seus efeitos deverão atingir todos os contratos.
Vale aqui uma reflexão: Se a retroatividade da Reforma Trabalhista fosse para beneficiar o trabalhador, será que tal discussão estaria em debate, ou a discussão só está em voga porque muitos acreditam que a Reforma Trabalhista beneficiou as empresas? Mas será correto pensarmos que a aplicação da Reforma Trabalhista apenas aos contratos posteriores à Lei de fato será mais benéfico aos trabalhadores?
Mas, e o princípio da “norma mais favorável ao trabalhador”? Estaria essa ideia de aplicação da Reforma Trabalhista a todos os contratos vigentes infringindo tal princípio?
Acreditamos que a resposta é negativa para todas as perguntas acima formuladas. Isso porque ao aplicarmos a Reforma Trabalhista a todos os contratos estaremos dando igualdade a todos os trabalhadores, até mesmo para não haver diferenciação nos contratos de trabalho, onde aquele que tem mais tempo de serviço tivesse condições diferentes de contrato.
Fica clara a diferenciação que haverá caso o entendimento que prevaleça seja o de que a Reforma Trabalhista só se aplica a novos contratos. Imagine se um contrato anterior à publicação da lei garantisse a um funcionário diferentes condições daquele que entrou no mercado de trabalho recentemente? Será que a fixação da aplicação da Reforma Trabalhista apenas aos contratos posteriores à publicação da Lei não fomentará a demissão e contratação de novo pessoal?
Havendo a aplicação imediata a todos os contratos não haverá nem desigualdade e nem lesão ao direito adquirido, pois a lei não retroagirá em situações já acabadas e sim permitirá a imediata aplicação de normas de direito público, que deverão incidir em todas as relações existentes, preservando as situações já consumadas.
O que se busca na Justiça do Trabalho é a igualdade de condições e a justiça das relações e essa só existirá quando a lei for a igual para todos!
Dra. Andrea Camargo – Sócia fundadora da Camargo & Camargo Advogados, Mestre de Direito em Direitos e Garantias Fundamentais, Pós Graduada em Ciências do Direito, MBA em Direito Empresarial, Especialista em Processo Civil – Advogada Trabalhista.